A
Igreja celebra hoje a festa de Todos os Santos. É muito importante que
conheçamos o que é o que em realidade celebramos nesta festa, pois a santidade
é o conceito chave da vida cristã. A idéia que muitos têm dos Santos, ou da
santidade quando eles mesmos se situam em referência ela, põe ao descoberto os
equívocos que existem em geral. Precisemos.
Santo
é só Deus. Ele é toda a santidade. Deus é Perfeição e Plenitude. É Verdade e
Bondade. A santidade é o ser mesmo de Deus e de seu obrar. E é também Deus no
homem na medida em que o homem é consciente disso e se deixa influir e
transformar por ele.
Deus
é amor e seu dinamismo profundo é amar. Por isso, quando falamos dos Santos,
fazemos referência explícita ou implícita à presença transformante de Deus nas
almas, influindo positivamente e que se traduz no comportamento moral que se
segue desta transformação.
Esta
influência de Deus pode refletir-se em qualquer estado de vida quando sabemos
superar os estados negativos e humanizar, harmonizar, pôr em tudo o amor de
Deus por acima de todas as coisas. A festa que hoje celebra a Igreja se refere
a todos os que morreram e agora estão com Deus independentemente de que tenham
sido canonizados ou não oficialmente pela Igreja. A canonização dos Santos é um
conceito jurídico que nos afeta mais aos que vivemos na terra, que aos que já
estão com Deus. Não lhes acrescenta nada. A canonização certifica o que são. A
festa de Todos os Santos se refere a nossos pais, avós, irmãos, a todos aqueles
conhecidos que estão já com Deus deixando-se glorificar e divinizar por ele.
VI UMA MULTIDÃO IMENSA: As três leituras de hoje nos
revelam o que hoje celebramos. O Apocalipse nos fala de “uma multidão imensa
que ninguém poderia contar, de toda nação, raças, povos e línguas”. Fala de
“todos os marcados, cento e quarenta e quatro mil”, número simbólico que faz
referência às doze tribos do Israel, quer dizer, ampliadas na nova humanidade.
“Marcados” ou “selados” são todos aqueles que pertencem a Cristo pelo Batismo.
Isto faz alusão à marca de fogo que se gravava nos braços aos escravos para
fazer patente ante todos a pertença a seus amos. “Quais são e de onde vieram?
São os que vêm da grande tribulação” desta vida e que lavaram suas vestimentas,
as coisas negativas da sua existência, no sangue de Cristo, no Batismo que nos une
a Cristo na sua morte e ressurreição. Na segunda leitura, João nos fala da
causa da santidade ou do manancial da mesma. É o impressionante amor que Deus
nos tem e que nos faz filhos no Filho, filhos na mesma filiação do Filho, pois
esse amor de Deus nos gera e nos faz semelhantes a Ele. O amor que Deus nos tem
nos capacita para lhe ver e lhe conhecer tal como ele é em si, pois lhe veremos
em sua mesma essência e com sua mesma Luz e assim viveremos sua vida e sua
felicidade.
BEM-AVENTURADOS OS POBRES NO
ESPÍRITO!: O
evangelho nos fala as bem-aventuranças tal como as descreve Lucas. Diferencia-se
de Mateus não só no número, mas também na mesma formulação. Mateo refere oito e
Lucas quatro seguidas de quatro contrapartidas ou maldiçoes. A intenção dos
dois não foi oferecer uma reportagem neutra, estritamente objetiva, nem repetir
à letra as mesmas palavras de Jesus, mas adaptar à situação concreta de cada
comunidade a medula da sua mensagem de validez universal. Quer dizer, descobrir
o que Deus quer dizer a cada um em cada tempo e lugar. No fundo, as
bem-aventuranças representam o conteúdo de toda sua pregação, de todas suas
exortações e parábolas, a substância e medula de sua mensagem.
Do
ensino de Jesus se deduz com claridade que a santidade, ou a bem-aventurança,
não é uma realidade individual e privada, pessoal e oculta. Refere-se
fundamentalmente como nos relacionamos com outros. É freqüente uma compreensão
moral, espiritualista, que pouco ou nada tem que ver com a mensagem de Jesus.
As
bem-aventuranças são a transparência no cristão do mesmo amor de Cristo, o
exercício prático de sua filiação divina em nós. Não se limitam à observância
exterior. Afetam ao mais profundo do coração. São graça e dom, antes que
esforço do homem. Representam a plenitude mais positiva e radical do amor. Não
se detêm na simples abstenção do mau ato externo. Nem sequer estão formuladas
em forma de lei. São os parabéns efusivos de Deus que os declara já celestiais.
Cristo nos libertou da lei em que estamos acostumados a nos deter quando somos
legalistas. As bem-aventuranças nos fazem amantes, não só observantes. Se antes
matar era matar, depois de Cristo matar é já ter maus sentimentos no coração. Se
antes o adultério era adulterar, agora é olhar com maus olhos. Com Cristo a lei
é amar e o pecado é não amar.
NO CORAÇÃO DAS BEM-AVENTURANÇAS: As bem-aventuranças são a
riqueza da alma de Cristo, sua consciência e sentimentos, entrando no coração
do homem e tomando-o por inteiro. Todas elas no fundo coincidem. Representam
diversos aspectos de uma mesma realidade. Apóiam-se na absoluta primazia do dom
de Deus, de sua gratuidade desconcertante. O privilégio dos pobres não é seu
comportamento, nem seu esforço. É Deus e sua intervenção. Deus está com eles.
Não são virtudes do homem, mas os efeitos e resultados do dom de Deus. São o
amor de Cristo manifestado na cruz. O mais ditoso que pôde ocorrer em nossa
vida é que Deus morreu por amor na cruz por nós. As bem-aventuranças, como a
cruz, são o amor com o qual Deus nos ama, esse amor depositado em nós. Uma
idéia exata das bem-aventuranças nos dá o fato de ver como reagimos na
dificuldade, nas privações, nos rechaços, insultos e sofrimentos.
Pobres,
aqueles que choram e têm fome e sede de justiça. Misericordiosos são aqueles em
quem pesa mais a alegria pelo amor de Deus que a tristeza diante das ofensas
dos homens. São os que não conhecem o ressentimento nem o rancor; os que nunca
diminuem o afeto e as carícias, os que não julgam, nem culpam, nem condenam, os
que não irradiam medo e temor; os que não se evadem ou se isolam no silêncio
agressivo, ou se colocam à defensiva na distância; os que não se enredam no
auto-engano do orgulho, na consciência de puros, na falsa pretensão de ter
sempre a razão, os que não são vulneráveis à rivalidade, ao aborrecimento, à
intransigência e mau humor, à ironia ou rigidez de princípios, à dureza e
suscetibilidade, à agressividade e pobreza afetiva.
Bem-aventurados
são aqueles que acreditam que há um mundo que mudar e não uma vida que viver.
Os que valorizam mais a relação que a possessão. Os que vivem o júbilo de cada
dia. Os que enchem o coração de amor antes que de possessões e contas
correntes. Os que optam por amar e não por ser ricos. Os que não se encolhem de
tristeza, nem se escondem no isolamento. Os que praticam a solidariedade ou o
apostolado e trabalham por um mundo cheio de Deus. Os que cumprem o que é
conselho e não só o mandado, o espírito e não só a letra. Os que olham mais no
que lhes une que no que lhes separa. Os que perdoam, os que se reconciliam e
olham sempre para frente. Os que constroem pontes e não vivem nas trincheiras
do seu egoísmo. Os que sempre amam. No próximo ano voltaremos a celebrar a
festividade de Todos os Santos. E
termino fazendo uma pergunta: Estaremos nós entre eles?
Pe. Rafael Vizcaino, LC
Nenhum comentário:
Postar um comentário