10 de novembro de 2012

Esta pobre viúva deu mais que ninguém - 32° Domingo do Tempo Comum



O evangelho de hoje tem lugar no contexto da semana da paixão de Jesus, ao dia seguinte da expulsão dos vendedores do templo e depois das tensas polêmicas com os escribas, fariseus e principais da sociedade. Jesus deixou muito claro, no referente à convivência social e ao culto, o profundo contraste existente entre os responsáveis do povo e o reino de Deus que ele deve proclamar.
Jesus e seus discípulos estão nos átrios do templo. Ali contemplam o passo dos personagens da vida social e religiosa, com seus trajes e distintivos, e as reverências e adulações que a gente lhes outorga. E vêem o aspecto de poderio e de superioridade social que estes irradiam na rua, nas sinagogas e nas reuniões sociais. Jesus critica fortemente sua ambição de procurar os assentos mais distinguidos nas sinagogas e nos banquetes. Em contraste, Jesus e seus discípulos vêem uma pobre viúva que deposita no cofre das ofertas do templo uma esmola muito pequena. Jesus a observa e diz a seus discípulos: “Asseguro-lhes que essa pobre viúva deu no cofre das ofertas mais que ninguém. Porque os outros deram do que lhes sobra, mas esta, que passa necessidade, deu tudo o que tinha para viver”. Jesus se expressa em uma íntima sintonia moral com a viúva. Nela vê um reflexo de sua mensagem e dos valores do novo reino de Deus. Sabe que onde há gratuidade radical ali está Deus, única fonte que a faz possível. Jesus mesmo é expressão humana desta absoluta gratuidade divina tanto por sua dedicação aos outros como pelo iminente acontecimento da cruz, máxima entrega gozosa e total.
A pobre viúva é como uma parábola prática e singela de como quer Deus que todos sejamos e vivamos: generosidade sem reservas. Jesus nos convida não só a dar, mas também a dar-nos a nós mesmos sempre e em tudo, e muito concretamente nas circunstâncias e dificuldades mais difíceis da existência. É certamente uma mensagem de exigência, difícil, mas muito belo.
A MENSAGEM DAS LEITURAS: As protagonistas das leituras são duas pobres viúvas situadas, como era habitual em Israel, no extremo da pobreza e necessidade. Nada poderiam dar, e menos ensinar. Mas em seu exemplo, Jesus nos vai indicar o que Deus quer que nós sejamos. No primeiro livro dos Reis vemos Elias fugindo do rei Ajab por causa de sua luta contra os seguidores dos deuses cananeus aos que a gente implorava a chuva e a fertilidade, a comida e a saúde, a vida e a fecundidade. Em sua fuga, o profeta encontra a uma viúva que tão somente tem um pouco de farinha e de azeite. Vai fazer um pãozinho para ela e seu filho com o fim de comê-los antes de morrer de fome. O profeta pede à mulher pão e água. Ela não se reserva nada e dá o que tem, o que ela necessita para não morrer. E o Senhor premia com abundância seu gesto, pois “a talha de farinha não se esvaziou, nem a azeiteira de azeite se esgotou”.
No evangelho Jesus olha para uma pobre viúva que, em contraste com os ricos que depositavam quantidade do que lhes sobrava, ela depositou no cofre das ofertas do templo uma quantidade pequena, mas que era o único tinha para viver. Jesus a põe em forte contraste com os responsáveis religiosos do povo e com os ricos. E proclama uma inaudita inversão de valores: desacredita e rechaça a aqueles a quem o povo aplaude, enquanto que enaltece à viúva, à qual o povo olha para ela como a uma desgraçada. Mas o verdadeiramente medular em toda a pregação de Jesus é a canonização da gratuidade radical, não a daqueles ricos que dão de sua abundância, mas daqueles pobres que dão de sua própria carência.

JESUS CANONIZA A GRATUIDADE RADICAL: A mensagem central de Jesus é um amor sem limites. O amor, se não for total, já não é amor. Muito facilmente degenera em vaidade e interesse. Só é autêntico aquele amor que nasce do coração. Deus é amor e todo aquele que se aproxima dele, ama necessariamente. O amor é o que nos aproxima de Deus e nos identifica com ele. Do amor puro ao amor interessado há só um passo. Jesus, no evangelho de hoje nos diz duas coisas importantes. Primeira: que não devemos tomar a Deus para servir-nos dele, com a desculpa de temos a Deus podemos ser prepotentes sobre outros. Segunda: que a força de Deus é a humildade que assombra e que jamais nos faz ser inferiores.
Ante o Deus cristão, que é o Deus da cruz, ninguém pode vangloriar-se ou abusar de qualquer classe de poder, nem cair na ostentação da vaidade. Ninguém pode converter a fé, ou a celebração em espetáculo chamativo e fascinante em seu proveito, em exaltação de dignidades, em solenidade que humilha, e, por cima de tudo, ninguém pode deslocar nem suplantar a Cristo nem a sua entrega na cruz. A cruz, como conteúdo e forma é irrenunciável. Não podemos diminuir a ninguém. Os cristãos não temos outra “sabedoria” ou “força” que “a debilidade” ou “loucura” da cruz, como diz São Paulo. Ninguém pode utilizar a consciência de puro para excluir, abater, entristecer. Ninguém pode fazer trapaças ou negócios com Deus para ganhar prestígio social e capacidade de influências lucrativas, ou para comprar bem-estar e prerrogativas, ou para lucrar graças ou vantagens temporárias e eternas à margem do amor generoso e desinteressado. Nenhum cristão, e menos os responsáveis da Igreja, tem a vênia evangélica para induzir pessoal ou comunitariamente opções sociais de desunião e de falsa exaltação, nem pode desconsiderar a força moral da unidade e da concórdia social, nem pode guardar silêncio diante das ásperas falsificações culturais e históricas de interesses de partidos que crispam, dividem, desintegram e separam.
Ante o Deus cristão só tem validez a generosidade que se dá, a solidariedade que se apropria do mal dos outros, o amor desinteressado que brota do coração mais limpo. A transcendência de Deus é sua condescendência, seu fazer-se um nada e sua humildade. Não é evangélica a lei que justifica intrinsecamente ações más, nem a razão que condena fazer o bem, nem o silêncio que ofende. Não nos faz livres com a abundância, mas com a generosidade. Não é cristão pôr preço à paz ou à reconciliação, ou encastelar-se na falsa dignidade pessoal, ou esmagar a alguém mediante a própria defesa, nem denegrir para sair justificado ou vencedor. Nenhuma vitória ou prepotência conquistou jamais o coração dos homens, e menos Deus. Evangelicamente é uma desgraça esmagar ou ter submetido a alguém.
O cristão nunca pode justificar a sua falta de generosidade, da gratuidade radical. Deve abandonar a cultura do interesse para viver aquela da generosidade. Deve preferir a humildade à ostentação, a simplicidade ao poder, a reconciliação ao ressentimento, a amizade à frieza, a companhia à solidão, a universalidade aos grupos estreitos, a concórdia à desintegração, a condescendência à intransigência, ao diálogo mais que o silêncio, a doçura mais que a agressividade, as mãos cheias às mãos vazias, a alegria à tristeza, o oferecimento generoso à chantagem do requerimento. Ser cristãos é amar ao outro não como a nós mesmos, mas, mais que a nós mesmos, conforme nos disse Jesus: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jn 15,12).
Padre Rafael Vizcaino, LC

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