DITOSA ÉS TU QUE ACREDITASTE
Estamos culminando
o tempo de Advento. Sublinhemos uma vez mais a importância deste tempo como a vinda
muito real de Cristo à nossas vidas. Cristo que veio ontem historicamente ao
mundo vem agora misteriosamente, com seu Espírito Santo que transforma e vivifica nossas vidas pessoais antecipando
nelas sua vida gloriosa. O clamor duro e severo do Batista nos foi convidando
na liturgia a preparar o caminho ao Senhor, ao arrependimento e conversão, à
austeridade como expressão de confiança e abandono em Deus, e ao deserto como
lugar do encontro com Deus. Agora é a figura da Maria a que vai aparecendo em
cena para transladar o acento ao gozo e à alegria ante a iminente vinda do
Senhor. Ela evoca a surpreendente iniciativa de Deus que se faz presente na
história e vai conduzindo a seu término e revela também a intensa alegria de
quantos o acolhem.
A VISITAÇÃO DA MARIA: O evangelho nos fala da visitação da Maria a sua
prima Isabel. Trata-se de uma narração fluída e de ritmo rápido. Maria,
induzida pelo sucesso da anunciação, empreende uma apressada viagem a casa de
uns dos seus familiares que vivem em uma aldeia da serrania da Judéia. Maria já
sabe que Isabel, apesar de sua avançada idade, está em período de gestação,
porque o mensageiro celeste acaba de comunicar-lhe e por isso vai visitar-la. Quando
cumprimentarem-se com júbilo as duas mulheres, a anciã experimenta uma sacudida
em seu interior. O menino começa a alvoroçar-se e a dar pulos no seu ventre.
Então Isabel, movida pelo Espírito Santo, compreende que Maria leva no seu seio
ao Senhor. Um sinal divino revela as duas as mães a maternidade da outra.
Isabel benze a Maria e a proclama “ditosa”, bem-aventurada por dois grandes motivos:
ser mãe do Senhor e ser a grande crente. Maria responderá com o cântico do
Magníficat no qual elogia a Deus por sua prodigiosa intervenção encarnando nela
seu próprio Filho.
MARIA E ISABEL
OU A SUPERAÇÃO DO LIMITE HUMANO: A
cena da visitação de María a Santa Isabel põe em primeiro plano a grandeza do
amor poderoso de Deus que toma uma iniciativa que afeta profundamente a María e
Isabel e também à humanidade inteira. O anjo surpreende a Maria e lhe anuncia o
mistério da encarnação de Deus na sua própria entranha. Ela vai ser mãe de
Deus. Jamais poderia ter suspeitado um fato tão extraordinário. Trata-se de um
sucesso que afeta profundamente ao mesmo Deus que se faz imensamente próximo do
homem e que vai afetar intensamente também ao homem, pois rompe o limite de sua
finitude e lhe aproxima de Deus assemelhando-o a ele. É ser o homem autêntico
parente com Deus. Deus, descendo, se faz homem e o homem sobe na escala do ser
e se faz divino. Deus, por falar assim, rompe sua própria fronteira e, ao
descer, rompe o limite do ser humano, as leis limitadoras da natureza e da
condição do homem, pois é com seu poder, e não por colaboração humana, que fecunda
em Maria o humano com o divino, e faz fecunda também em Isabel sua esterilidade
manifesta.
RECEBER A DEUS É
COMPARTILHÁ-LO COM O PRÓXIMO: Maria
recebe o anúncio da encarnação do Filho de Deus e imediatamente se apressa para
visitar a Isabel. Ela vai porque o anjo lhe revelou que também Isabel foi
visitada pela misericórdia divina. Mas vai, sobre tudo, porque sua alma está
alvoroçada de gozo e precisa compartilhá-lo. Assim é Deus. Deus é sempre
bondade na pequenez humana. É sempre grande e transbordante. Quem tem a Deus o
comunica porque precisa expressar sua sorte, elogiar, compartilhar, fazer
alegres e ditosos aos outros. A luz ilumina sempre. A alegria estala sempre e precisa
ser comunicada. A cena de Nazaré e a da casa da Isabel representam um estalo de
júbilo, de regozijo e de louvor. É o gozo do Espírito, quer dizer, da sorte que
acontece no interior, nas vísceras. Em Maria é bendito o fruto de seu ventre e
ela mesma é declarada ditosa porque acreditou. O menino João dá saltos de
júbilo já no ventre de sua mãe. Maria se declara também ditosa e bendita por
todas as gerações como conseqüência de que nela Deus fez coisas grandes. Na
encarnação de Deus fica afetada divinamente a criação e a bem-aventurança do
céu visita a terra. Deus é alegria e todos os que o acolhem são alegres. Na
história, as alegrias profundas sempre terão a mesma e única fonte: Deus e a proximidade
de Deus.
BEM-AVENTURADO QUEM
ACREDITA E PORQUE ACREDITA: Talvez
o maior elogio da história é aquele que Isabel dirigiu a María: “Ditosa tu
porque acreditaste”. A fé e receptividade de María atraíram a Deus ao mundo.
Nossa humanidade vive cheia de prejuízos sobre a fé. Isso é devido a muitas
causas.
Mas o certo é que o
homem nasce para viver da fé, acreditar e acreditar é o sentimento e atitude
que dá sentido à vida. Ter alguém em quem confiar, em quem apoiar-se, sentir-se
acolhido, viver em sintonia e segurança, está no mais profundo das necessidades
e sonhos do homem. Sem confiança não há relações ditosas, nem amizade, nem
matrimônio, nem sociabilidade. A fé afeta ao sentido da vida, à identidade
profunda, ao exercício da liberdade, ao destino intermédio e último. A fé é
sempre a experiência do que nos precede e supera. Gera sempre estabilidade e
confiança nos momentos mais negativos da existência. Oferece-nos pistas não só
para saber como sou, mas também quem sou e para que sou. O homem vive uma impressão
forte de um desejo e capacidade que lhe supera e lhe transcende como promessa e
esperança.
A fé rompe o teto
da finitude do homem e lhe transporta ao gozo e alegria de sentir-se eleito e
amado, à presença de um além de si mesmo que lhe espera como dom e destino
final e lhe beatifiquem. Por cima dos desejos que o homem tem, está o desejo
que o homem é e que lhe confere uma experiência profunda. O homem tem sempre
mais capacidade de desejar e desejar que de sentir-se pleno e satisfeito. Sente
que é mais do que é e experimenta, que não é capaz por si só de adequar-se
consigo mesmo, de dar-se ele mesmo tudo o que necessita. Sente-se sempre em
indigência, mas sendo sempre como um mendigo de luxo que só se aquieta com o
absoluto e infinito, com Deus.
Todo homem
necessita repetir na sua vida o acontecido em Nazaré, um anúncio que tire dele
o aborrecimento e trivialidade da sua existência. E isto é o que nos oferece a
fé do evangelho. María é tipo e modelo do que nos acontece se acreditamos e na
medida em que creiamos. A fé nos abre para a mais profunda realidade e nos
brinda aquilo mesmo que nos ultrapassa. Aprendamos com a María a dizer: “Eis
aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo Vossa Palavra”.
Pe Rafael Viscaíno LC
Pe Rafael Viscaíno LC
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