Começamos
o tempo litúrgico do advento. Representa para nós uma verdadeira oportunidade
de graça. Chegar a compreendê-lo significa estar situados na medula da fé
cristã. O ano litúrgico não é mera rememoração do passado. São os mistérios da
vida do Senhor, os momentos decisivos de sua vida, gravando-se realmente em
nós. Constitui nossa identidade mais verdadeira, a que Deus quer e espera de
cada um. Para que isso se realize, Deus mesmo está vindo em pessoa até nós e
nós devemos descobrir os sinais de sua presença e de sua ação para acolhê-lo e
nos somar a ela. Deus não pode ser um desconhecido em sua casa. Nós não podemos
permanecer alheios as suas iluminações e impulsos. Devemos deixar-nos amar. Cristo
veio ao mundo em uma vinda histórica. Virá também ao fim dos tempos a verificar
o que em nós está ou não, renovado e transformado. Mas o decisivo para nós é
que está vindo e atuando aqui e agora em nós. E esta vinda é decisiva e
transcendental, pois dela dependerá nossa salvação. Com Cristo, o fim e a
plenitude se deslocaram ao centro da história, ao aqui e agora de cada homem.
Ele se faz contemporâneo a todos e nos vai introduzindo já agora na plenitude
dos tempos” (Gal 4,4), na última hora” (1 Jo 2,18). É o tempo do corpo místico,
o da Igreja, o tempo de nossa grande transformação por meio da comunhão
progressiva com a palavra evangélica e a Eucaristia. A vida cristã não é, nem
poderia ser outra coisa que a nossa vida em Cristo, a reprodução e atualização
em nós dos mistérios de sua vida, de seus mesmos sentimentos, para ser
vivificados nele (Col 2,13), crucificados com ele (Gal 2,19), mortos nele (2
Cor 4,10), sepultados com ele no batismo (Col 2,12), ressuscitados com ele (Col
3,1), sentados nos céus com ele (Ef 2,5-6). Cristo é a vocação e destino
fundamental do homem.
ESTEJAM SEMPRE ATENTOS! Vivemos um cristianismo
adormecido em uma arcaica cultura da fé. Manifesta-se mediante costumes e
hábitos que mais que fé é o reflexo cultural da fé. O imprescindível o cristocentrismo
foi rebaixado a devoções populares que no santoral e nas práticas interessadas
gozam de um predomínio. Na mentalidade corrente do povo, e isto é muito grave,
Cristo não é, como deveria ser, o Mediador sempre em ato. Sören Kierkegaard
disse atrevidamente: “A cristandade acabou com o cristianismo, sem cair na
conta disso. Em conseqüência, se quer fazer algo terá que reinserir o
cristianismo na cristandade”. Um botão de amostra: o Papa acaba de escrever que
no portal do Presépio não havia nem asno nem boi. A notícia suscitou um
alvoroço espetacular. Os meios de comunicação fizeram comentários fora de lugar.
Neles, muitos afirmaram que estão tirando a fé. Outros asseguraram indignados
que seguirão pondo a estes simpáticos animais em seus presépios. Não faltou
quem acolheu a notícia com desdém irônico. Este fato reflete muitas coisas. O
que é verdadeiramente fundamental e estrutural da fé? A pessoa de Cristo, sua
mensagem e mistérios ocupam o centro da fé e das celebrações na vivência prática
da liturgia, nas quais até os meninos e o povo mais singelo podem ver em
primeiro plano de forma explícita e gozosa ao mesmo Cristo, sua mensagem e sua
obra redentora?
Jesus
nos diz no evangelho que despertemos do sono. É evidente que estamos
adormecidos, sedimentados consciente ou inconscientemente em um passado
histórico empobrecido que diluiu, quando não perdido, o original. Estamos hoje
impressionados pela injustiça social. Cristo mesmo foi também despejado e
marginalizado de nós, de sua casa. E até já esquecemos esta expulsão! Nossa
autonomia nos parece normal. Mas o Advento significa ir ao encontro daquele que
nos ama e que vem a nos buscar.
TEMPO DE ESPERANÇA: As leituras da palavra
de Deus nos situam em um estado de busca e esperança. A primeira, do livro de Jeremias,
constitui um oráculo de salvação. Jeremias profetiza que, depois da queda de
Jerusalém e do exílio de Babilônia, Deus, do tronco ressecado da dinastia de
Davi, fará brotar um descendente, um soberano que fará germinar a esperança e a
salvação. São Pablo em sua carta aos Tessalonicenses, o primeiro escrito do
cristianismo (ano 50 D.C.), fala do Senhor que instaurará os céus novos e a
terra nova, pelo qual devemos nos preparar a sua vinda “transbordando de amor
mútuo e de amor a todos”. Jesus, no evangelho, em uma visão apocalíptica, une o
fim de Jerusalém e o fim do mundo e nos exorta à vigilância e à oração. Diz-nos
que o fim está já no agora. Pelo qual, devemos estar acordados e vigilantes.
ENSINA-ME TEUS CAMINHOS!
Cristo
está vindo hoje a cada um de nós na luz do evangelho e dando-nos a vida na Eucaristia.
O evangelho revela o que a Eucaristia contém. O pão oculta o que a palavra
proclama. Evangelho e Eucaristia constituem hoje a presença real e a revelação
luminosa de Jesus para nós. O grande drama do mundo cristão é a ignorância, o
formalismo e o costume já tão envelhecido que perdeu o original. Isto
representa um detrimento profundo para a fé. É um dos fatos mais lamentáveis da
história da Igreja. Este drama tem como fundamento a ignorância e até ás vezes
o desprezo do concílio Vaticano II, não só por parte do povo, mas também de não
poucos guardiões da fé. Este concílio é o ato mais importante que a Igreja de
todos os tempos celebrou em função da formação do povo cristão. Dois mil e
quinhentos bispos de todo o mundo, durante quatro anos, refletiram no mais alto
procedimento do magistério formal, sobre como tem que ser a fé de um cristão
comprometido no mundo atual. Papas, bispos e pensadores o qualificaram como
graça e inspiração do Espírito. Não só falou das realidades explícitas da fé,
mas também, e isto é o original, de como tem que ser o modo de presença dos
cristãos no mundo de hoje.
Junto
aos bispos de todo o mundo colaboraram os melhores teólogos, pastores e catequistas
da Igreja universal em uma valiosa colaboração como jamais existiu. Ante este
evento excepcional, a maioria do povo vive ainda sem ter-se informado. O
silêncio de muitos responsáveis e as ações daqueles que desvirtuaram os
ensinamentos do Concilio movidos por interesses estranhos, representaram um
lamentável bloqueio à vontade de Deus e constitui uma grave omissão. O Concílio
Vaticano II é o melhor instrumento de atualização da fé, e representa uma
oportunidade singular para quantos queiram vivê-la com autenticidade. Vincula a
todos, especialmente aos responsáveis pela pastoral, com uma força moral de
máxima exigência. Não oferecê-lo, não estudá-lo, constitui uma omissão gravíssima.
É desprezo ao Espírito Santo e pode chegar a ser um impedimento, um verdadeiro
bloqueio, para que muitos tenham a oportunidade de renovar sua fé. No ano da fé, nenhuma oportunidade pode ser
tão valiosa como deixar-se iluminar por este Magistério Extraordinário. Diz o
salmo 24 na eucaristia de hoje: “Ensina-me teus caminhos, me instrua em teus
caminhos, faz que caminhe com lealdade, ensina-me porque tu és meu Deus e
Salvador”. Uma leitura atenta do concílio pode contribuir a fortalecer o mais
valioso do homem: sua fé pessoal e comunitária, como adesão gozosa e alegre ao
Jesus Cristo, o Senhor.
Pe. Rafael
Vizcaino, LC
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