18 de novembro de 2012

Saibam que Ele está perto, à porta


 

DEIXAR-NOS JULGAR PELO EVANGELHO
33º Domingo Comum (B)

            O ano litúrgico está chegando a seu término e São Marcos nos fala hoje no evangelho do fim do mundo. Esta visão escatológica nos ajuda a refletir sobre o que na vida permanece ou perece. Neste contexto de desenlace e de destruição, aparece como figura central da cena o Senhor que retorna para reunir e salvar aos seus.
            O ano litúrgico gira em torno da páscoa de Cristo e é sua realização, ao vivo, na comunidade cristã, em cada um de nós. Celebrando os mistérios da vida do Senhor, de Advento a Pentecostes, e comungando com o evangelho e a Eucaristia, ele se vai formando em nós e vamos  nos identificando com Ele. Não são meras celebrações externas, nem tampouco memória de um passado que não retorna. Ele se faz nosso contemporâneo e, como Espírito vivificante, segue atuando no homem e a favor do homem. O que ontem ocorreu na história, hoje acontece dentro de nós. O Espírito grava ao vivo em nós a vida e sentimentos de Cristo, e vai transformando em seu corpo místico. O que o evangelho de hoje anuncia não é tanto o fim do mundo, como sua transformação.
            São Marcos escreve seu evangelho no contexto de acontecimentos tão dramáticos como a guerra judaica, a destruição do Templo de Jerusalém, a primeira perseguição dos cristãos em Roma. É um tempo de crise. Também nós vivemos hoje uma grave situação de emergência. É tão grave a crise que se perde o sentido do eterno, exalta-se o temporal como o único absoluto, ridicularizam-se os valores tradicionais, derruba-se o sistema econômico, aumenta terrivelmente o desemprego, proliferam os despejos de moradias, milhões de famílias carecem do mínimo para subsistir. Muitos convertem em ganho pessoal aquilo mesmo que está na origem do afundamento dos outros. Vivemos um sistema econômico neoliberal desumano e cruel que não coloca à pessoa, aos que mais sofrem, no centro.
      A incerteza, o fracasso, a solidão, a enfermidade, a insegurança econômica, política e psicológica, encerram a muitos em uma depressão sem saída. Asfixiados pelos problemas, muitos já não vêem o sentido de sua própria existência. Sentem-se jogados nela sem capacidade de pôr rumo para direção alguma. Poderiam confiar em Deus, mas a religiosidade de muitos está feita à carta e se fazem um deus a sua medida. Consciente ou inconscientemente, muitos, até crentes e cristãos, falam o que deve se fazer. Mas não permitem a atuar a Deus a sua maneira.
      Em meio desta grande tribulação, Jesus nos diz hoje no evangelho que ele está perto, à porta. Pede-nos estar vigilantes. Os poderes deste mundo não têm a última palavra na história. Jesus é radicalmente a salvação, a cura e a solução para o homem. Nossa atitude verdadeira é nos deixar julgar e transformar por seu evangelho.

A MENSAGEM DA PALAVRA

            O discurso escatológico de São Marcos é um dos textos mais complexos do Novo testamento. Apesar de sua escuridão, sua intenção fundamental é a de tranqüilizar a uma comunidade turvada e assustada pelos demolidores contratempos acontecidos na Judéia e Roma durante os anos 70 depois de Cristo. Do versículo primeiro ao quatro deste capítulo treze, parece que Jesus fala da ruína de Jerusalém; mas a partir do versículo vinte e quatro se refere claramente ao final dos tempos. O texto reflete uma tensão contida sobre a vinda do Filho do homem. Por um lado assegura que “não passará esta geração antes que tudo isto se cumpra”, mas por outro reconhece que “o dia e a hora ninguém o conhece”. Nos primeiros momentos a comunidade acreditava na iminência do retorno de Cristo. Mas depois esta espera fica postergada. Cristo virá, mas em um futuro incerto. Não obstante, quando o texto fica redigido, a comunidade revela grande maturidade e assume a situação com fé e esperança.
            A primeira leitura está tirada do livro do Daniel, que apesar de suas referências ao tempo do exílio em Babilônia, provavelmente foi escrito durante o levantamento Macabeu, 167-164 a.C., com o fim de reanimar aos judeus perseguidos pelo rei selêucida Antíoco IV, fortalecer sua fé e sua fidelidade à lei e alimentar sua esperança. A carta aos Hebreus recorda o fundamento da esperança: Cristo, quem com uma só oferenda, aperfeiçoou para sempre aos que vão sendo consagrados. Com Cristo a salvação é já firme e segura.

DEIXAR-NOS JULGAR PELA SUA PALAVRA

            A imagem apocalíptica do fim do mundo, e o fim do ano litúrgico, convidam-nos a nos deixar julgar pela palavra de Deus. Com a encarnação de Cristo o fim dos tempos se estabeleceu no centro da história, no suceder do tempo. Ele é a eternidade e a plenitude. Acolhendo-o como palavra e pão, vamos revestindo-nos de eternidade. Se nos deixamos transformar nele já não seremos julgados. Nossa transformação divina e eterna é gerada no tempo. Esta renovação espiritual passa por duas atitudes profundas: o reconhecimento de Deus como nosso Deus e o reconhecimento do homem como nosso irmão.
            Deveríamos deixar-nos tomar pela presença de Deus em nossa vida, dentro de nós. Mas não o deixamos. Fizemos uma imagem mental dele, mas não acabamos de nos deixar afetar pelo Deus vivo. Quando lhe falamos, seguimos falando com nós mesmos, pois não fazemos o que ele quer, mas o que nós preferimos. Buscamo-nos em Deus, mais não o buscamos a ele. Não temos os olhos abertos ao que Deus faz em nosso entorno, nas pessoas que nos rodeiam, mas só ao que nós pensamos que Deus “tem que” ser e fazer. Deus é livre para fazer o que ele quer com todos e em tudo. Nós tentamos lhe condicionar. Fazemos-lhe um Deus a nossa maneira. Pedimos-lhe coisas quando ele está desejando que lhe peçamos outras. Obrigamos-lhe a pensar com nosso pensamento e a julgar com nosso juízo. E isto é engano e obcecação. Somos frívolos, extremamente orgulhosos, não temos desenvolvimento espiritual porque ignoramos a compaixão e a misericórdia. E, sobre tudo, nos falta relacionar-nos com Deus pelo amor.
            Concebemos mal a Deus e, em conseqüência, olhamos também mal aos outros. Olhamos-lhes desde nós, não dos olhos de Cristo na cruz; desde nosso juízo e condenação, não do amor e o perdão. Centrados em nós, em nossa opinião, não sabemos descobrir os verdadeiros sinais de “sua” presença nos outros: em seu sofrimento e necessidades: “estive triste, doente, faminto, preso… e não me socorreram”. Nós temos já estabelecido o que é o bem e o mal. Damos-lhe tudo feito a Deus. Pode-nos a legalidade, nossa subjetividade, e etiquetamos para sempre às pessoas e as coisas, o que são e têm que ser. Temos o “open apagado” para a voz de Deus. Diminuímos muito as comunicações e as carícias. Praticamos o mau trato psicológico. Um menino, sem sustento, morre. A vida nos vem pelos outros. Deus quis que puséssemos em comunhão o que somos. Um adulto sem estima e afeto fica doente. Seu pensamento e seu afeto se deformam. Quando o amor falha, todo homem entra em deterioro. Nos afeta mais o mal que o bem. Sendo negativos, todos perdemos. Todos ganhamos amando. Amemos sempre na verdade e sinceridade. Preparemos o nosso coração cheio de amor a Cristo para proclamar-lo Rei o próximo domingo.
                                                                                                                           Pe Rafael Viscaíno LC

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