
Dias atrás conheci um senhor muito simpático que,
sentado no banco de uma rodoviária, desenhava - e muito bem - o Imaculado
Coração de Maria. Era um grafiteiro autodidata que havia separado de sua esposa
e, morando na rua, ganhava o pão de cada dia com o seu talento. Conversando com
ele, percebi que era uma pessoa que trazia dentro de si uma grande sede de
Deus, da Verdade e do Bem, mas ao mesmo tempo, tinha o coração marcado pelo
sofrimento, e ferido pela mágoa, angústia e indignação. Ele fez estas mesmas
perguntas a respeito do (aparente) “silêncio de Deus” em face de tantos fatos
injustos que sofremos ou presenciamos.
Tentei explicar a ele que Deus criou tudo bom, mas o
próprio homem, afastando-se de Deus e de Sua lei, caiu nos laços do demônio e,
utilizando mal a sua liberdade, acabou causando danos a si e ao próximo. Mas...
logo meu ônibus chegou e tive que partir. Deixei-o, pesarosa, pois ele ainda
não havia se convencido que Deus não abandonou o ser humano... pois amou tanto
o mundo que lhe deu seu Filho Único, Jesus Cristo, como Redentor (cf. Jo 3,16).
Fiquei a pensar em tantas pessoas que perdem a fé
porque se deixam levar por tais questionamentos. Então, encontrei em um livro
uma passagem que responde a esse paradoxo do mal. Nele dizia que Deus não
impede o mal e a ação de satanás porque, “tendo criado os homens e os anjos
livres, deixa que ajam conforme a sua natureza inteligente e livre. No fim, Ele
fará as contas e dará a cada um o que merece... A parábola do joio e do trigo é
bastante clara a esse respeito: quando os servos pedem que se retire o joio, o
patrão se recusa a fazê-lo e diz que será preciso esperar o tempo da colheita.
Deus não renega as suas criaturas, mesmo quando elas se comportam mal. Se
impedisse a sua ação, a criatura seria julgada antes que tivesse a
possibilidade de expressar-se integralmente. Somos seres finitos, nossos dias
na terra estão contados, e por isso não gostamos dessa paciência de Deus. Temos
pressa em ver o bem premiado e o mal punido. Deus espera, permitindo que o
homem tenha tempo de se converter, servindo-se muitas vezes também do demônio
para que o homem possa provar que é fiel a seu Senhor” (Leite, Silvana C. -
Para falar de Anjos; Loyola).
Na verdade podemos perceber que cada coração humano
que grita: “Até quando, Senhor?!”, ainda não compreendeu o Mistério da Economia
da Salvação. Isso não significa, é claro, que devemos cruzar os braços e deixar
que o sofrimento, a doença, o desemprego, a injustiça, etc. progridam. De modo
algum! Devemos agir, sim, e buscar sempre o que é justo e direito, o bem, a
paz, a dignidade, a verdade e a ordem; mas, jamais devemos nos revoltar por
acontecimentos que “temporalmente” permanecem sem respostas.
Com certeza você conhece ou já ouviu falar de
pessoas que, diante de um doloroso quadro de uma doença incurável, por exemplo,
dão um belíssimo testemunho de fé e amor! E um dos melhores modelos que temos é
a Santíssima Virgem Maria que, junto à Cruz, vendo seu filho sendo torturado e
morto injustamente, permaneceu de pé, revelando ao mundo que nosso sofrimento,
unido ao de Cristo, torna-se corredentor (conf. Jo 19, 25 e Col 1, 24).
Interessante que aquele grafiteiro da rodoviária
desenhava o Imaculado Coração de Maria. Lembrei-me de que em Fátima, Nossa
Senhora afirmou: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”. Maria anunciava
ali a vitória de todos que, crendo no amor de Deus, não se esmorecem diante das
tribulações ou injustiças causadas direta ou indiretamente pelo pecado, pelo
mal, mas com firme esperança no amor de Deus sabem que “todo o que nasceu de
Deus vence o mundo. E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.” (1Jo
5,4).
Que possamos também ser portadores desta fé, desta
esperança, nAquele que, por nosso amor, humildemente baixou até este vale de
lágrimas e nos deu uma Mãe que intercede junto a Ele por nós. Salvou-nos por
Sua morte, e ressuscitou para nos dar a Vida... preparou-nos um lugar (conf. Jo
14, 2) onde “enxugará toda lágrima de nossos olhos e já não haverá morte, nem
luto, nem grito, nem dor” (conf. Ap 21,4). Deus é Bom!
Rachel Maria
Nenhum comentário:
Postar um comentário