17 de maio de 2012

O Tempo e a Eternidade



   “Desde que eu era adolescente, Deus Nosso Senhor me concedeu a graça de perceber, com nitidez, esta realidade que toca intimamente a existência de todos os seres humanos: a vida é um breve lapso, apenas um piscar de olhos, comparada com a eternidade que nos espera depois desta passagem fugaz pelo tempo.

     Lembro-me que eu gostava de subir, pelas tardes, a um dos morros que ficavam ao redor de Cotija, minha cidade natal, e dali, conversando com Deus, contemplava lá embaixo, ao pé da colina, o cemitério, com seus túmulos adornados de flores; mais adiante, na planície, os telhados vermelhos das casas e, como que fincado em meio a eles, o campanário, com a cúpula da igreja paroquial. Perguntava-me com palavras simples que pode haver na cabeça de um menino do campo de 13, 14 anos, o que é esta vida, se afinal de contas, todos vamos acabar num túmulo. Nesse cemitério, jaziam os habitantes de Cotija de outros tempos. Somente uns poucos ainda arrancavam lágrimas da viúva ou de órfão prematuro. Outros, os restantes, abandonados em completo esquecimento. Uns viveram na opulência, grandes latifundiários ou hábeis comerciantes. Outros, na angústia de uma miséria nunca vencida. Uns e outros já tinham acabado a sua existência. Para que tinham servido àqueles as suas riquezas? E que sentido teve a vida pobre e aflita destes?

     E depois, pensava nos outros: nos vivos, aqueles que transitavam pelas ruas e pela praça principal, nos sítios e nas fazendas vizinhas, os que eu conhecia e via todos os dias. E pensava também nos milhões de homens que, em outros povoados, em outras cidades, em outros continentes, por trás dos morros limítrofes, gastavam a vida em mil afazeres, cada qual absorto nas suas preocupações, desenrolando o fio indecifrável com que se tece a trama diária da existência humana. E pensava que todos eles andariam por estas terras alguns anos: 20, 40, 80, talvez mais de um século: e, no final, o mistério do nada, que parece engolir os que se vão. O que é que permanece, afinal, ao longo da vida, se até a recordação dos mais velhos se dilui na névoa da memória?

     Estas são as reflexões que atravessam de ponta a ponta a história da humanidade, as interrogações que cada geração tem que enfrentar, os enigmas que têm que ser resolvidos por todos os homens que não se resignam a um simples vegetar pelo mundo e que procuram se dar alguma transcendência. “De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?, perguntava Jesus Cristo aos seus ouvintes.
     Eu me dava conta de que podia escolher entre dois caminhos. Um, o caminho fácil de “ir levando” a vida sem maiores preocupações; conseguir uma boa fonte de recursos para a família, procurar ganhar um bom dinheirinho, evitar do melhor modo possível os desgostos da vida e gozar ao máximo os poucos anos que tinha pela frente.
     O outro caminho se mostrava mais árduo. Consistia em construir a vida, minuto a minuto, olhando em direção à eternidade. Encarar cada instante do meu tempo como uma oportunidade que Deus me concedia para fazer algo por Ele e pelo bem de meus irmãos. “Investir”, por assim dizer, cada segundo em algo construtivo, em algo que servisse para os outros e me assegurasse, além disso, a vida eterna.
     A opção era clara. E, assim, sobre aquela colina, ao abrigo do crepúsculo aceso, ia amadurecendo no meu interior, tarde após tarde, a idéia e o propósito de que teria que gastar a minha vida inteira por algo que realmente valesse a pena, por algo que eu pudesse levar comigo à eternidade. Compreendi que o tempo de minha vida, na verdade, não me pertencia. O importante, então, não era a minha vida, nem a “minha” realização, mas a realização do plano de Deus do qual eu não era mais do que um elo.

     Ao mesmo tempo, pude compreender que o mais importante não era a quantidade de tempo que tinha à disposição. Além do mais, a ninguém é dado sabê-lo de antemão. Entramos na vida num ponto determinado mas, uma vez que empreendemos o caminho, a incógnita do ponto final nos acompanha sempre, e só se elucida quando ele chega. No entanto, mesmo que não importasse a quantidade de tempo que eu teria, uma coisa era certa: fosse qual fosse a duração de minha vida, sempre acabaria sendo curta, muito curta, apenas um ponto em meio à eternidade. Portanto, o importante e o urgente era aproveitar com avareza, do modo mais inteligente e produtivo, o tempo presente, cada momento presente.
     Aquelas tardes de meditação na minha adolescência sobre uma colina ao sul de minha Cotija natal ensinaram-me também que as criaturas são meios que Deus me dá para me unir a Ele e louvá-lo, através delas, ao longo da peregrinação temporal. Pude desfrutar intensamente a harmonia da criação em todas as manifestações da sua beleza: o despertar de cada aurora, o canto dos passarinhos, o murmúrio de um riacho, a grandeza imponente das montanhas, o colorido vivo dos prados na primavera, a brisa serena e fresca nas tardes de outono, o céu nas noites estreladas, toda a formosura que a natureza oferecia me serviu de caminho para chegar a Deus. E, no campo das relações humanas, pude apreciar o valor da amizade sincera, a beleza das almas agradecidas, até mesmo o afeto que muitas pessoas me dispensaram. E, acima de tudo isso, prevaleceu, de maneira absoluta e contundente, o meu enraizamento total e exclusivo em Deus, a rocha inamovível, eterna, que sustenta todas as minhas certezas, meus anseios, minha segurança. Em Deus, o único amor que pôde roubar o meu coração. Em Deus, origem e meta única do meu destino temporal e eterno.

     Caríssimos irmãos em Cristo Jesus, convido-os a pararem um momento para considerar o que é que estão fazendo com suas vidas, para analisar se, nos anos vividos, satisfizeram as expectativas que Deus colocou em vocês. Se perguntem, sinceramente, fixando o olhar na eternidade que se aproxima, o que querem fazer com a porção de vida que ainda têm pela frente.

     Pensem que vocês receberam dons muito grandes de Deus: a existência, o batismo, a fé, o conhecimento de Jesus Cristo e muitíssimos outros. Vocês foram chamados a uma missão muito importante neste brevíssimo lapso que transcorre entre o seu nascimento e a hora que terão que partir para a eternidade. A vida de vocês é uma peregrinação, uma passagem fugaz pelo mundo. Em meio e através de suas ocupações cotidianas, em meio e através da necessária luta diária para construir a sua existência terrena, o que é que estão fazendo para ganhar a sua vida eterna?
     Todos vocês já devem ter lido e conhecem muito bem a “Parábola dos talentos”. Ela nos mostra que cada homem, ao entrar na vida, recebe de Deus uma certa quantidade de “talentos” (entre os antigos, uma grande quantidade de dinheiro). Cristo usa esta imagem para explicar que a tarefa primordial da vida é “investir” esse dinheiro, fazê-lo produzir e entregar ao Criador os lucros no dia de nossa entrada na eternidade. Um dos principais “talentos” que Deus nos confia é precisamente o tempo.
     Estou convencido que no dia em que nos apresentarmos ao Senhor, um dos primeiros pontos de nossa prestação de contas deverá ser este: qual foi o uso que fiz do tempo que tive nas mãos, quais foram os lucros que obtive para Deus no investimento de meu tempo. Neste dia, não seremos censurados por ter perdido, talvez, a oportunidade de ganhar um milhão de reais, mas por ter perdido um minuto! “


Texto extraído do livro “O tempo e a eternidade” de Padre Marcial Maciel, sacerdote mexicano   

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